o sim e o não, o alfa e o ômega, o homem e a mulher, a langue e a parole, o yin e o yang.

31 outubro 2015

Sobre ENEM e violência contra mulher e ser babaca

Há poucos dias 7milhões de brasileiros fizeram a prova do ENEM. No sábado teve Marx e Beauvoir; no domingo, uma redação sobre violência contra a mulher. E, por isso, as pessoas entraram em frenesi porque a prova era esquerdista e doutrinadora marxista e tudo que há de ruim no mundo.

No facebook só se falou disso – o que é excelente! Se por um lado teve gente que comemorou que essas coisas estejam sendo colocadas em debate, teve gente que disse que a prova não era imparcial, que 31% das questões eram de esquerda, que é o PT, que não existe violência contra mulher – existe violência. E tantas outras babaquices.

Antes de qualquer coisa, é preciso ter em mente que simplesmente não existem Ciências Humanas sem ideologia; não existe essa tal de imparcialidade que os críticos da prova almejam. No extremo, não existe ciência sem ideologia. Já li vários estudos científicos defendendo que o homem precisa de alimentação a base de carne e vários estudos defendendo justamente o contrário; vira e mexe aparece na mídia estudos dizendo que ovo é vilão ou mocinho – isso só pra falar de alimentação.

Então, quando uma pessoa vai lá e faz um estudo e diz que “a globalização gera desemprego”, ela não tá apenas dizendo a opinião dela, é sim uma afirmativa científica, que sim gera debates e estudos que digam o contrário. Quando colocaram essa questão na prova, sabiam que essa questão era “ideológica”, mas sabiam que seria ideológica se eles colocassem um autor que dissesse qualquer outra coisa.

Simone de Beauvoir disse coisas que abalaram o pensamento de sua época. E, ironicamente, a rejeição foi em grande parte não por ela defender as mulheres, mas por ser mulher. E é irônico pensar que a rejeição em relação a ela, cinquenta anos depois, ainda é pelos mesmos motivos. A questão do ENEM não perguntava se era certo ou errado o que ela dizia, nem que devemos sair queimando sutiãs ou dizendo que mulheres devem ser tratadas como gente. A prova levantava a relação entre o pensamento filosófico dela e sua relevância histórica.

A prova foi tachada de esquerdista, comunista e o diabo aquático. Mas não existe relação entre ser de esquerda (ou de direita) e ser (ou não) um babaca. A redação no domingo propunha que o aluno discorresse sobre a violência contra a mulher; o aluno era convidado a pensar sobre o assunto e posicionar-se criticamente, oferecendo possíveis soluções para o problema. E isso não tem nada a ver com espectro político: a defesa dos direitos humanos é um dever de pessoas civilizadas!

As pessoas que demonizaram a prova não são pessoas de direita, são analfabetos políticos. A militância de esquerda que o Brasil precisa não é contra pessoas de direita – essas, infelizmente, conheço poucas; a militância é contra um conservadorismo ignorante que não estudou mais do que o mundo em que ele vive, incapaz de se por no lugar do outro, seja quem for.

Uma vitória dessa prova foi trazer essas questões para a discussão. Obrigatoriamente, 7milhões de brasileiros tiveram que pensar sobre violência contra a mulher; por tabela, o assunto foi trazido às rodas de discussão de outros milhões de brasileiros. Debater o assunto não é nem de longe suficiente para resolver o problema, mas faz com que as pessoas reflitam e se posicionem e comecem a mudança. Quem sabe daqui alguns séculos mulheres não sejam mortas simplesmente por serem mulheres.

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