o sim e o não, o alfa e o ômega, o homem e a mulher, a langue e a parole, o yin e o yang.

02 outubro 2015

A academia e a educação básica

Ter estudado Letras enquanto trabalhava numa escola pública me fez enxergar o quanto o que é estudado na faculdade está longe do que de fato se trabalha em sala de aula. Por muitos anos a concepção de ensino de língua materna na escola nada teve a ver com o objeto de estudos da linguagem na academia. Enquanto a academia tentava entender como a língua funciona, tanto em seus aspectos internos quanto em termos de sociedade, a escola passava o século inteiro preocupada em ensinar a ler e escrever.

E justamente por ter se adentrado em questões muito mais profundas do que o lugar em que a escola parou, a academia está discutindo questões que parecem irrelevantes pra sala de aula. E por não ter acompanhado a discussão (que já tem quase um século), a educação básica está muito longe de absorver o que a academia tem produzido. Aí, agora que a escola resolveu ir um pouco além de apenas ensinar a ler e escrever, os estudos acadêmicos parecem não ajudar em nada – e de fato não ajudam.

A academia deixou de se preocupar com a educação básica; se a escola não está interessada em ir além do bê-á-bá, é inócuo despender esforços pra tentar pensar e repensar quais são os conteúdos necessários em cada fase do aprendizado. De tempos em tempos, surgem algumas discussões; em 1997, por exemplo, o governo federal estabeleceu parâmetros curriculares, a fim de estabelecer quais seriam os conceitos que deveriam ser trabalhados em sala de aula. E, pouco antes disso, em 1996, com a LDB, a educação se universalizou e a escola passou a não ser mais exclusividade da elite econômica, com isso vieram outras dificuldades que não estavam nos manuais produzidos até então. E, hoje, quase vinte anos depois, a escola ainda está, como antes, muito mais preocupada em ensinar a ler e escrever do que discutir o que deve ser corrigido nos PCNs. Como os parâmetros não chegaram a ser aplicados, a gente não consegue medir o quanto não são eficientes.

E isso acontece principalmente porque as pessoas que pesquisam na academia não são as mesmas pessoas que estão em sala de aula; é muito mais difícil pesquisar sobre uma realidade que você não vive todo dia; da mesma forma que a realidade não vai ser pesquisada se as pessoas que a vivem não se envolvem com a pesquisa. É preciso questionar o que a academia tem dito com base no que acontece de fato nas salas; e isso não quer dizer que a teoria está errada e por isso deve ser jogada fora, mas que ela precisa acolher a diversidade de alunos e se adaptar a outras realidades. Se na prática a teoria não funciona, a teoria precisa se adaptar.

A fim de se resolver isso, os professores da educação básica precisariam fazer parte da academia e vice-versa. A academia precisa chegar na sala de aula. Se algum político tivesse a preocupação de fazer alguma coisa pela educação, o primeiro passo seria investir em plano de carreira e formação continuada. Da mesma forma que acredito que só consegue fazer alguma diferença pela educação o professor que está constantemente se questionando e adaptando sua prática.

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