o sim e o não, o alfa e o ômega, a langue e a parole, o yin e o yang.

17 maio 2025

Maio Amarelo

O sul do país adora se achar europeu. Tem gente aqui que acha que ter sobrenome com mais consoante do que vogal automaticamente dá direito a ar de superioridade. Mas, embora o sulista viva arrotando civilização sobre o resto do Brasil, no trânsito, o Paraná é muito mais Nicarágua que Suécia.

Eu sempre fui muito fã de alta velocidade: sou daqueles malucos que acordam de madrugada pra ver 20 milionários correndo em círculos por duas horas em carros que atingem 300 km/h; já gastei muito dinheiro com jogo de corrida no vídeo-game e também pra correr de kart alugado. Mas, paradoxalmente, sempre fui um pregador da baixa velocidade no trânsito. Uma coisa é correr num circuito com barreira de proteção, ambulância e protocolo de segurança. Outra é pilotar uma máquina de uma tonelada numa rua com pedestre, bicicleta e motoristas que nem sabem o que estão fazendo.

Mesmo que você seja o Ayrton Senna, você pode em algum momento se distrair ou teu carro pode falhar; ou, mesmo que não seja culpa sua, uma criança pode invadir a pista ou um ciclista pode se desequilibrar. A diferença entre uma buzinada e um trauma que você vai carregar pro resto da sua vida é a velocidade em que você está dirigindo. A 30 você xinga. A 80 você mata. O corpo humano não aguenta uma pancada de um veículo de uma tonelada nessa velocidade.

Só para termos uma noção: sabe aqueles testes de colisão de carro feito com dummies iguais aos do Big Brother? A maioria daqueles acidentes são feitos a 64 km/h. 

Nas estatísticas, entre as as principais causas de acidentes estão desatenção/distração, falhas mecânicas, desobediência à sinalização e a infraestrutura viária – além de, claro, o excesso de velocidade. Mas eu argumento que todos esses acidentes poderiam ser evitados se a velocidade estivesse mais baixa. Alguém na sua frente poderia até ter errado e furado o sinal vermelho, mas se você estivesse numa velocidade mais baixa, você teria tempo de frear e o máximo que teríamos seriam lanternas quebradas e dor de cabeça com seguro e oficinas mecânicas – mas nenhum morto.

Isso não quer dizer, é claro, que a gente tem que andar a 30 km/h o tempo todo. O que estou propondo é que usemos velocidades compatíveis. No centro da cidade, a gente não precisa andar a mais de 40; na rodovia que atravessa a zona urbana, a gente anda a 80; e na rodovia, livre, pavimentada, duplicada, a gente viaja a 110. Não coincidentemente são esses os números que aparecem nas placas de velocidade máxima permitida nessas vias.

Até porque a diferença entre viajar a 110 e a 150 nem é tão grande quanto parece. Uma viagem de Curitiba a Ponta Grossa, de 117 km, demora 64 minutos se viajamos a 110 por hora (isso, claro, se fosse possível manter essa velocidade constante durante toda a viagem (mas vamos fingir que dá)); se formos a 150, essa mesma viagem demoraria 47 minutos. Ou seja, estaríamos nos expondo a muito mais riscos e economizaríamos míseros 17 minutos.

Então, se a gente quer realmente ser uma Europa, com discussão de primeiro mundo (e não só desculpa pra ser racista), a gente precisa repensar o quanto mortes no trânsito são toleráveis. A meta de reduzir mortes pela metade até 2030 não é uma ideia ruim. Mas bom mesmo seria agir como se nenhuma morte fosse aceitável

Um comentário:

Debora Grazola disse...

Só acho que esse texto deveria ser impresso e distribuído para os motoristas da cidade, ou lido nas autoescolas, ou quem sabe pegar a ultima frase e colocar em outdoors pela cidade... é um manifesto necessário